voltar

O Simplex Urbanístico e os riscos profissionais: para além da simplicidade

16.04.2024
O Simplex Urbanístico e os riscos profissionais: para além da simplicidade
No início deste ano, foi publicado o Decreto-lei 10/2024, conhecido como SIMPLEX URBANÍSTICO. Este decreto veio reformar e simplificar os processos de licenciamento no âmbito do urbanismo, ordenamento do território e indústria, procurando aumentar a oferta de habitações disponíveis a custos mais acessíveis. 

O SIMPLEX URBANÍSTICO introduziu várias novidades procedimentais no setor, das quais se destacam: a eliminação da exigência de licenciamento prévio; substituição da licença por comunicação prévia de isenção; a dispensa de controle prévio para construções com Pedido de Informação Prévia (PIP) abrangendo demolições, operações de loteamento ou plano de pormenor; o alargamento da regra de deferimento tácito nos casos em que a administração incumpra prazo; assim como a desnecessidade de apresentar novo projeto nos casos em que este seja parcialmente rejeitado, bastando submeter o anterior aperfeiçoado. 

 Esta desburocratização e agilização de procedimentos administrativos, numa lógica legislativa de «licenciamento zero», representa uma mudança profunda no regime de gestão pública urbanística e ordenamento do território. O novo regime gera importantes implicações para os profissionais envolvidos, em especial arquitetos, promotores e projetistas, particularmente, ao nível da sua autonomia e esfera de responsabilidade. 

 Com efeito, a eliminação ou redução da intervenção e fiscalização prévia da administração pública e a introdução de conceitos suscetíveis de diferentes interpretações, criam importantes riscos de (in)segurança jurídica, na medida em que o nível de certeza e confiança da conformidade dos imóveis com as normas legais e regras técnicas do setor que resultava da intervenção administração pública no início dos processos, é reduzido ou mesmo eliminado e simultaneamente transferido, especialmente, para os agentes privados, colocando-os no centro do processo como responsáveis pelo cumprimento das obrigações legais e normas técnicas em vigor. 

De facto, estes, até à presente alteração legislativa, estavam, de certo modo mais protegidos, "blindados” pela atuação prévia administrativa dos projetos – controlo a priori.  Agora, ao invés, estão mais mais expostos aos efeitos da incerteza que decorrem de um controlo e fiscalização à posteriori. Consequentemente, assumem, pessoalmente, níveis mais relevantes de responsabilidade, incrementando, de forma significativa, a sua exposição ao risco, quer no vetor de frequência, por existir uma maior probabilidade de serem objeto de reclamações por responsabilidade civil profissional (maior litigância); quer no da severidade, uma vez que o valor das reclamações poderá ser insuportável, bastará pensarmos nos potenciais prejuízos decorrentes de um embargo de uma obra já iniciada. 

 É fundamental sublinhar que esta simplificação dos processos não implica qualquer aligeiramento do grau de cumprimento das normas técnicas e legais; estas continuarão a ser aplicadas e fiscalizadas, porventura com maior rigor. 

Face ao novo contexto de risco – mais gravoso - é altamente recomendável que os profissionais que desenvolvem a sua atividade nesta indústria/setor, estejam cientes dos riscos a que estão expostos e das repercussões que os mesmos podem ter e promovam estratégias de mitigação, nomeadamente, através de processos estruturados e suportados documentalmente, de análise rigorosa dos requisitos e regras técnicas e legais aplicáveis (due diligence). 

Simultâneamente, dado que, apesar de todos os cuidados, a possibilidade de existirem reclamações indemnizatórias com fundamento em erros e/ou omissões profissionais não desaparecerá, é fundamental e de elevada criticidade a transferência dos riscos para o mercado segurador através da contratação de seguros de responsabilidade civil profissional. 

 Não se tratam de quaisquer seguros. Devem ser aqueles que se traduzam em soluções devidamente estruturadas, construídos à medida e com os capitais adequados às características de frequência, severidade dos riscos e atividades em questão. 

 É igualmente recomendável que os profissionais que desenvolvem a sua atividade no âmbito do urbanismo e ordenamento de território e que tenham atualmente contratados seguros de responsabilidade profissional, revejam as suas apólices, com destaque especial para a revisão e atualização das atividades seguras, coberturas e capitais seguros. 

Um seguro bem construído proporcionará uma proteção eficaz contra litígios judiciais dispendiosos, oferecendo tranquilidade e segurança tanto para os profissionais quanto para os seus clientes. 

Além disso, ter um seguro de responsabilidade civil profissional pode ser uma vantagem competitiva diferenciadora, demonstrando aos clientes, parceiros e investidores que o profissional/organização está preparada para lidar com desafios, que gere os seus riscos de forma proativa, conferindo uma camada adicional de proteção dos eventuais direitos de terceiros.  

Em suma, diante da complexidade técnica e dos riscos envolvidos, é essencial que os profissionais contem com o apoio e a assessoria de consultores especializados em riscos e seguros, garantindo assim a estabilidade financeira e a continuidade das suas operações perante os novos desafios legais que têm de enfrentar. 

 

 


Por Pedro Pinhal, Diretor Técnico e de Sinistros da MDS Portugal 
Publicado no jornal Vida Económica