O sector dos Seguros e o risco Covid -19
Risco. Quantas vezes surgiu a palavra risco nestes últimos dois meses? Não sabemos, mas seguramente será uma das palavras do ano. São muitos os riscos que ameaçam a sociedade – instabilidade política, conflitos e guerras comerciais, alterações climáticas, volatilidade dos mercados financeiros, ataques cibernéticos, pandemias, entre outros. Entender o que é o risco e o que significa nas nossas vidas é fundamental para compreendermos a relevância dos seguros na sociedade.
O risco sempre existiu e o homem nunca deixou de tentar encontrar uma forma de lidar com ele. Perante a necessidade de controlar o risco, nasceu o seguro, assumindo desde o início um papel fundamental no desenvolvimento da sociedade, tornando-se um factor de segurança e de sustentabilidade da mesma. A segurança de pessoas, empresas e bens, tem exigido ao sector dos seguros uma constante actualização, adaptação, desenvolvimento e capacidade financeira. Com base na experiência do passado, no estudo do presente e na construção de cenários e modelos futuros, o sector segurador define as condições em que está disponível para assumir os riscos que os clientes lhes propõem. E agora, perante um evento que afecta todo o planeta, praticamente ao mesmo tempo, que bloqueia economias, perturba investimentos, encerra fronteiras e obriga ao confinamento das populações, que resposta pode ser dada?
Poderemos considerar a Covid-19 um Cisne Negro? É um risco imprevisível, mas seria verdadeiramente inesperado? É verdade que estamos perante um evento em larga escala que está a causar uma destruição maciça, mas que também já está a gerar enormes oportunidades de mudança. Apesar de alguns avisos e sinais, ninguém estava minimamente preparado para esta rapidez e dimensão global. Já tinham surgido ameaças e o risco de pandemia tem sido indicado, nos últimos anos, como um dos dez principais riscos emergentes, embora num "modesto” 8º lugar. Apesar de preocupante, tem sido considerado como algo que poderia acontecer mas muito à distância, não sendo suficiente para mobilizar ações determinadas e investimentos que permitissem antecipar ou mitigar os efeitos de algo deste género.
Neste contexto, o sector segurador reagiu de uma forma muito expedita, atendendo a muitas das necessidades das pessoas e das empresas, esclarecendo e ajustando algumas coberturas e serviços face ao novo risco e às alterações que o mesmo provocou. Os reguladores nacionais e internacionais emitiram um conjunto de recomendações para protecção do sector, de modo a assegurar a estabilidade financeira, a integridade do mercado e a protecção dos consumidores. Foram elaborados guias para que os consumidores possam esclarecer dúvidas sobre como proceder, saber a que aspectos devem ter atenção, perceberem que tipo de protecção têm contratada nas suas apólices e como conhecer as medidas de contingência tomadas pelo sector enquanto durar a pandemia. Foram igualmente tomadas medidas especiais de carácter suspensivo e transitório, com o objectivo de simplificar, agilizar e flexibilizar o funcionamento das apólices e o acompanhamento dos clientes e prestadores, como por exemplo no que concerne aos prazos de pagamento de prémios e na aceleração da gestão dos processos de sinistros e pagamentos das respectivas indemnizações. Alguns operadores conseguiram mesmo introduzir novas coberturas, ampliar outras e até mesmo criar uma solução especialmente dedicada à Covid-19, bem como começar a fazer refletir nos prémios a pagar a redução de sinistralidade automóvel que se começa a fazer sentir.
Perante um novo cenário, que exige união, solidariedade e algumas medidas extraordinárias, o sector segurador assume-se como parte da solução e está a ajudar, indo mesmo para além do que estava contratualmente estabelecido. As seguradoras mostraram que dentro dos modelos e clausulados que regulam o funcionamento das apólices, podem ser flexíveis e adaptar-se ao inesperado, sempre dentro de limites que não coloquem em causa a sustentabilidade e os níveis de solvência da sua actividade.
Um novo normal
Agora temos, de facto, pela frente um novo normal, em relação ao qual o sector segurador terá de se adaptar. A sociedade vai acelerar como nunca o processo de transformação digital que vinha desenvolvendo, dando lugar muito rapidamente a novos modelos de negócio e ao surgimento de novos riscos e agravamento de outros, como já é o caso do risco cibernético. Teremos regimes e modelos laborais mais diversificados, maior mobilidade, mais trabalho independente, novas formas de interacção social, nova tipologia de eventos, empresas e pessoas com novas necessidades, novos benefícios e serviços complementares.
Esta pandemia vai provocar alterações profundas na sociedade – fala-se de uma nova economia sem contacto, de um forte aumento da intervenção dos governos, como estamos já a assistir na área da aviação. Muito mais do que o lucro, conhecer o propósito das empresas e os impactos que estas têm na sociedade serão aspectos vitais para os clientes e colaboradores. Ficarão muito mais claras a necessidade e a obrigação das empresas protegerem melhor os seus activos, começando pelas pessoas. As próprias pessoas individualmente vão querer melhorar os seus níveis de protecção em relação a riscos que muitas vezes consideravam não prioritários, como o caso da planificação financeira com vista à optimização da poupança, incapacidades para o trabalho, a saúde de um modo estruturado e a médio/longo prazo, a salvaguarda do nível de vida do agregado familiar, etc.
O sector já estava a ser obrigado a olhar e tratar o consumidor de um modo mais personalizado, eficiente e célere. Agora terá de melhorar os seus níveis de eficiência, seja no cálculo do risco, na prestação do serviço ou na distribuição das soluções.
O risco de catástrofe, como o que estamos a viver, merece uma atenção maior e ser profundamente discutido, envolvendo todos os intervenientes do sector segurador. É necessária uma actuação determinada antes que o problema aconteça, regresse ou se volte a manifestar, ainda com maior agressividade e dimensão. Todos nós – seguradores, resseguradores, corretores, gestores de risco e clientes – devemos trabalhar em conjunto, rápida e empenhadamente, para perceber se este é um risco que necessita "apenas” do sector segurador ou se exige que se construam modelos de proteção garantidos por uma pool, constituída também pelo Estado. Talvez seja o momento de retomar o estudo desenvolvido recentemente sobre a necessidade/oportunidade de ser criado em Portugal um fundo destinado a melhorar a resposta a cenários de catástrofe, que hoje é pandémica, mas que amanhã pode ser sísmica. Por outro lado, independentemente da existência de fundos especiais, há um trabalho de gestão de risco, colaborativo e multidisciplinar, que cabe a todos desenvolver, com o objectivo de mitigar alguns dos efeitos que estamos a sentir neste momento. A tomada de medidas que garantam cadeias de abastecimento resilientes, a implementação e melhoria de planos de continuidade de negócio, de Disaster Recovery e Cyber Incident Response, bem como identificar e preparar recursos de contingência, podem fazer a diferença e desempenhar um papel crítico no tipo de cenário como o que vivemos.
Mário Vinhas - COO MDS Portugal
Artigo publicado no suplemento Seguros da Vida Económica